quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Química nuclear

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O Núcleo instávelmica Nuclear
Introdução


ZeusDesde os tempos mais remotos, filósofos e cientistas têm estado interessados nos blocos elementares do nosso universo físico; de fato, foram os gregos os primeiros a sugerir que toda a matéria fosse feita a partir de blocos indivisíveis - ou átomos. Entretanto, foi somente no século 20 que a idéia de um átomo divisível, isto é, um bloco elementar que, por sua vez, é formado por outros blocos elementares, passou a ocupar a mente dos cientistas. Experimentos clássicos (Thonsom, Rutheford, Chadwick, Bohr) deram uma estrutura para este átomo: algo formado por um grande espaço vazio, ocupado por minúsculos elétrons, que permanecem em prováveis O átomo e seu núcleoregiões nas proximidades do núcleo - um pequeno e massivo conjunto de prótons e nêutrons, mais de 100.000 vezes menor do que o átomo ao qual pertence. Tanto os prótons como os nêutrons, por sua vez, são formados por outras subpartículas: os quarks - cada próton ou nêutron é formado por 3 quarks. A energia que mantém todas esta partículas e subpartículas unidas é muito grande, e pode ser aproveitada, tal como ocorre em processos de obtenção de energia nuclear (usinas e bombas nucleares). O núcleo possui carga positiva devido somente a carga dos prótons, já que os nêutrons não possuem carga alguma. O número de prótons e, consequentemente, a carga do núcleo, são característica fundamental do átomo: o que identifica um elemento é justamente o número de prótons (Z) do seu núcleo. Embora o número de prótons seja sempre o mesmo, o número de nêutrons pode diferir em átomos de um mesmo elemento, gerando átomos com massas atômicas (A) ligeiramente diferentes. Dois átomos com o mesmo Z, porém com diferente A, são chamados de isótopos. Alguns isótopos são muito estáveis: a combinação adequada entre nêutros e prótons parece conferir sua estabilidade. Outros, entretanto, possuem núcleos particularmente instáveis: os núcleos se "quebram" espontaneamente, por vários processos, resultando na emissão de radiação, sob a forma de partículas e/ou energia. Um determinado isótopo do Rádio (A=226), por exemplo, pode sofrer um decaimento espontâneo para outro elemento (Radônio A=222 Z=86), liberando partículas alfa (núcleos de Hélio).
aparelho do lab de Roentgen
Embora muitas rochas já venham emitindo radiação desde a formação de nosso planeta, foi só em 1896 que, oficialmente, o químico francês Henri Becquerel anunciou a descoberta da radioatividade (emissão de partículas alfa pelo elemento rádio), em um encontro da Academia de Ciências de Paris. Logo, o estudo da radiação se tornou intenso dentro da comunidade científica, e suas aplicações não tardaram: ainda no início do século 20, Wilhem Conrad Roentgen descobriu as propriedades dos raios-X, e seu uso potencial na medicina.

O casal Marie Curie e Pierre Curie são, talvez, dois dos mais famosos cientistas da história, e conhecidos por seu trabalho pioneiro no estudo da radioatividade (o estudo da radiação foi iniciado com o elemento rádio - daí a designação genérica "radioatividade"). Além do rádio, eles estudaram propriedades do urânio e tório, e também descobriram o polônio. Marie Curie é a única pessoa a ter ganho um prêmio Nobel na Química e outro na Física! O termo "curie" se refere, hoje, à unidade de uma medida utilizada em estudos da radiação. Além de fantásticas aplicações, os elementos radioativos trazem consigo um enorme e invisível perigo: a exposição prolongada pode provocar, nos humanos, diversos males, até mesmo a morte.


Contador de Geiger-Muller: a radiação entra no tubo e produz ionização das moléculas gasosas, gerando uma corrente elétrica, cuja intensidade é registrada pelo ponteiro.

Esta também foi uma das descobertas dos pioneiros: o assistente de Thomas Edison morreu com um tumor induzido pela hiper-exposição à radiação. Vários soldados e operários de indústrias bélicas morreram ou foram contaminados, durante a 2a. guerra mundial, com material radioativo. Para melhor visualização noturna, todos os ponteiros, marcadores e displays dos aviões, tanques e outros veículos eram pintados com uma tinta contendo isótopos radioativos dos elementos rádio e fósforo, para que brilhassem no escuro, e possibilitasse manobras noturnas. Em 1915, a British Roentgen Society determinou normas de segurança para a pesquisa ou trabalho com radiação - foi a primeira atitude organizada para a proteção contra radioatividade.

Os descobridores da fissão nuclearA fissão nuclear foi descoberta por Otto Hahn, Lise Meitner e Fritz Strassman, em 1938. Hahn descobriu que se bombardeasse uma amostra de urânio com nêutrons, era capaz de produzir outro elemento, que ele acreditava ser o lantânio. Outros cientistas da época deram descrédito a sua descoberta, e ele não tinha uma explicação satisfatória para o observado. Enviou uma carta para Lise Meitner, sua colaboradora, onde dizia "Perhaps you can suggest some fantastic explanation"; e Meitner imaginou a fissão nuclear! Seus resultados foram publicados em 1939, e no artigo Hahn dizia que a fissão nuclear existia, embora "in opposition to all the phenomena observed up to the present in nuclear physics."

modelo para reação em cadeia de fissão nuclearAlém de acadêmica, a fissão nuclear logo mostrou uma aplicação, como fonte energética: a primeira reação nuclear em cadeia controlada foi obtida no dia 2 de dezembro de 1942, que consitia no bombardamento de um isótopo radioativo do urânio com nêutrons. O façanha foi de Enrico Fermi, um italiano naturalizado nos EUA, em um laboratório da Universidade de Chicago.

Tipos de radiação mais comunsMarie Curie descobriu que haviam 3 tipos diferentes de radiação, que foram designadas com as 3 primeiras letras do alfabeto grego: alfa, beta e gama. As partículas alfa contém dois prótons e dois nêutrons, tal como o núcleo do átomo de Hélio. Por isso, podem ser representadas pela designação 4He2+, além do símbolo a. Estas partículas têm uma massa que é igual ao dobro da molécula do gás hidrogênio, e é a menos energética das radiações. Os raios beta são, na verdade, elétrons - uma partícula negativa, com uma massa 1/1837 vezes menor que a do próton. É representa pela letra b. A radiação gama (g), tal com os raios-X, são formas da radiação eletromagnética, que é uma forma de energia quantizada em "pacotes" chamados fótons. A energia de um fóton é dada por hn, onde h é a constante de Plank e n é a frequência de seu movimento ondulatório. De acordo com a energia (frequência) de um fóton, ele pertence a uma das faixas do espectro eletromagnético, tal como na de microondas, rádios, TVs, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios-X ou gama. Quanto maior for a frequência, maior será a energia do fóton; os raios gama são a forma mais energética, e as faixas de radiação utilizada em estações AM estão dentre as mais baixas. Um núcleo instável pode, no processo de decaimento, emitir ambos os tipos de radiação.

A filha do casal Marie e Pierre, Irène Curie, e seu marido, Frédéric Joliot, estudaram o bombardeamento do núcleo do átomo de alumínio com partículas alfa. A reação produziu nêutrons e um isótopo radioativo do fósforo (A=30). Para surpresa do casal Joliot-Curie, este isótopo do fósforo emitia um tipo de partícula ainda desconhecida: de mesma massa do elétron, mas de carga oposta. Esta partícula foi chamada de pósitron, e é representada pelo símbolo +1e.

(etapa 1)27Al + 4He2+ 30P + 1n
(etapa 2) 30P +1e +30Si

Tanto o pósitron como o elétron (partícula beta) são formados por desintegração do nêutron ou do próton. Um nêutron pode se transformar em um próton e emitir uma elétron; o próton, pode se transformar em um nêutron e emitir um pósitron.

1n 1H+ + -1e
1H+ +1e + 1n


Na figura ao lado, representa-se toda a série de decaimento radioativo do Urânio-238. Cada emissão ALFA corresponde a uma diminuição de 4 unidades no número de massa atômica e de 2 unidades no número atômico, pois a partícula alfa é o 4He2+. Uma emissão BETA não provoca alteração no número de massa, uma vez que um nêutron se transforma em um próton: com um consequente aumento do número atômico. O processo culmina com a emissão de elétrons - as partículas beta.




O sol é um grande reator de fusão nuclear
Outro processo importante que pode ocorrer com o núcleo é a fusão nuclear. Nesta reação, dois núcleos pequenos se combinam para formar um maior. Este processo também é acompanhado pela liberação de vasta quantidade de energia. Uma reação de fusão típica é entre o deutério e o trítio (dois isótopos do hidrogênio), que se fundem e formam o hélio, com a liberação de um nêutron. Toda a energia do Sol vem de reações de fusão nuclear. Nossa estrela é composta por cerca de 73% de hidrogênio e 26% de hélio. Varias reações de fusão ocorrem, mas o produto final sempre é o hélio. Lentamente, o sol vai "queimando" todo o seu combustível.

Datação com isótopos radioativos
Outra aplicação da Química Nuclear é a arqueologia: a medida da atividade de isótopos radioativos pode nos fornecer a idade da amostra. "Datação com carbono-14" é um termo bastante comum, mesmo fora da ciência. Diversos artefatos famosos ja foram datados com esta técnica, tal como centenas de ossos de dinossauros, alguns mamutes congelados e um pedaço de pano com o suposto desenho de Jesus. Para entender como a datação é feita, é necessário compreender o conceito de meia-vida.

A radioatividade é um produto do decaimento nuclear. Nós não podemos predizer quando um determinado núcleo ira decair, mas nós podemos predizer precisamente qual é a taxa de decaimento de grande número de átomos radioativos (na mesma forma em que uma seguradora não pode dizer se um determinado segurado vai ou não morrer em um determinado dia, mas pode dizer quantos clientes irão falecer neste dia!). O tempo transcorrido para que metade dos átomos radioativos presente em uma amostra sofram decaimento é chamado de tempo de meia-vida. Esta é uma constante para cada tipo de elemento radioativo, e compreende valores que vão de desde alguns milisegundos até 1015 anos! O t1/2 do 14C, por exemplo, é de 5730 anos.

Decaimento radioativo de uma amostra de trítioO decaimento radioativo é um processo de primeira ordem: em físico-química, aprendemos que a meia-vida de um processo como este é dado por t1/2 =0,693 / k, onde k é a constante de velocidade da reação. Esta equação pode ser utilizada para se estabelecer a idade de um objeto. Neste caso, o logarítimo natural da razão entre o número de átomos presentes em um tempo t=t' (N) e o número de átomos radioativos presentes no tempo t=0 (N0) é diretamente proporcional ao tempo t', que corresponde a idade da amostra. A equação fica:

ln (N/N0) = (0,693/t1/2)t

A razão N/N0 pode ser obtida pela razão R/R0, isto é, a razão entre a taxa de decaimento radioativo no tempo t (R) e a taxa de decaimento no tempo t=0 (R0). É exatamente desta maneira que se faz a datação de artefatos antigos com 14C; esta técnica é extremamente útil quando se trata de matéria orgânica. Na atmosfera, a maior parte do carbono está sob a forma de CO2. O isótopo do carbono mais abundante é, de longe, o 12C, mas existe uma certa fração de outros isótopos; entre eles, o 14C. O carbono-14 é instável, e sofre decaimento com emissão b; o tempo de meia-vida é de 5730 anos. Uma amostra da atmosfera que contém 1 grama de carbono sofre 15,3 desintegrações por minuto. Este valor é uma constante e assume-se que tem estado assim há vários milhares de anos: a razão 14C/12C é constante, na atmosfera. Quando um organismo ainda é vivo, ele troca permanentemente carbono com a atmosfera, e a razão 14C/12C é nele também constante; porém, quando morre, a troca com a atmosfera é interrompida e, com o decaimento do 14C, a razão 14C/12C fica cada vez menor. Como consequência, o taxa de decaimento da amostra também diminui. Para melhor entender, vamos considerar um exemplo: um determinado artefato egípcio foi encontrado em uma pirâmide. A contagem de 14C mostrou que uma amostra contendo 1g de carbono sofre 11,3 desintegrações por minuto. Qual é a idade do artefato? Para saber, basta aplicarmos a equação acima: ln(11,8/15,3) = (0,693/5730anos)t
como resultado, temos que t = 2.150 anos.


Foram experimentos de datação com 14C que estimaram a idade do pedaço de tecido conhecido como Sudário de Turin ou, simplesmente, Santo Sudário. Milhões de pessoas acreditam que a imagem impressa no tecido seja o corpo de Cristo crucificado. Entretanto, os experimentos de datação mostraram que as plantas que forneceram as fibras do tecido (linho) foram cultivadas por volta de 1260 a 1390 D.C.. As análises foram feitas em 3 laboratórios independentes e diferentes, e apresentaram resultados similares. Céticos e religiosos têm questionado estes resultados, justificando que, talvez, um incêndio em 1532 D.C. e bactérias tenham contaminado o tecido com matéria orgânica mais recente. Várias outras técnicas de análise foram aplicadas e, hoje, um grupo de cientistas esta tentando reproduzir, artificialmente, o sudário e sua inscrição.

A datação com carbono-14, entretanto, tem uma série de limites: somente funciona com amostras orgânicas, cuja idade está entre 500 a 50.000 anos. Outros elementos radioativos fornecem informações para a datação de outros materiais. Vimos que o urânio-238, por exemplo, sofre decaimento até chegar no elemento estável chumbo-206. Nos minerais, a relação 238U/206Pb é utilizada para a datação. O mesmo ocorre com o par 40K/40Ar.

Revista eletrônica do Departamento de Química - UFSC
www.cmqweb.org

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